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Foto do escritorJessica Serra

Por mais histórias e menos stories (capítulo 1): sobre autoconhecimento

Atualizado: 20 de nov.

Você alguma vez já sentiu que estava no lugar certo, mas com as pessoas erradas? Ou, ao contrário, com um grupo de pessoas incríveis, mas em um lugar que não se encaixava? Ou em uma função errada, mas no lugar certo?


O ambiente do teatro, o palco e a música sempre foram lugares onde eu sentia uma sensação boa, uma energia, algo como se eu pertencesse àquilo. Tive alguns momentos emblemáticos com isso. Minha tia Zélia costumava colocar músicas pra tocar e vestia eu e minha irmã com figurinos quando crianças. A gente dançava com aquelas roupas, fazendo graça pra família. Quando ia para a chácara onde minha prima morava, no interior de São Paulo, nós também dançávamos. Ela é um pouco mais velha e fazia aulas de ballet, sapateado e jazz naquela época. Eu achava o máximo quando ela explicava as coisas. Gostava daqueles momentos e sinto uma nostalgia muito boa quando lembro deles. Eu também cheguei a me apresentar cantando na escola, uma vez. Com dez anos, me recordo de ter feito algumas aulas de jazz e cheguei a fazer uma apresentação final com um grupo de outras crianças. Me lembro até da cor do figurino, era preto com uma saia roxa. Ao final da apresentação, que era uma pose no chão, eu me senti incrível, apesar de todo o nervosismo que pulsava em mim.


Uma outra situação, mais recente, foi como aluna na faculdade de arquitetura. Na ocasião, tive de fazer um estudo de campo para um projeto de um centro cultural. Nesse trabalho, teríamos que desenhar todo um teatro, desde o palco, a coxia, os espaços necessários entre os assentos, a inclinação para que a visibilidade do palco fosse possível para todos os lugares. Eventualmente, algumas pessoas desenhavam pilares nos meios das plantas do teatro, sem perceberem que aquilo tampava toda a visão do palco. Obviamente, pensavam em criar a sustentação da estrutura do prédio, mas se esqueciam desse “detalhe”. Os professores rabiscavam com marcador vermelho e escreviam: “Um pilar aqui no meio????” Eu achava tudo isso até engraçado. Era muito legal poder estudar todas essas coisas, todos esses ambientes, e ainda aprender com os erros. Mas nessa ocasião da visita técnica, lá no teatro, eu sentia que faltava algo. Ao mesmo tempo que eu achava o lugar muito atrativo, eu não sabia o que estava faltando para mim, naquele momento.


Já em minha trajetória como artista visual, tive uma apresentação no Sesc. Para situar você, leitor(a), descrevo aqui a cena: Eu e mais um grupo de ilustradores desenhando, mas em um palco (com direito a holofotes e também um DJ tocando). Nesse dia, me recordo de estar bem feliz, tudo era patrocinado, não tinha que me preocupar com nada e os artistas tinham estadia e até um camarim. Me senti importante. Você se lembra daquilo que disse no início desse texto? Sobre o lugar certo mas na função errada? Ali, naquele palco, naquele dia, por mais que eu AMASSE desenhar, senti falta de alguma coisa que eu não sabia explicar. Eu ainda sentia uma culpa por certa ingratidão. “Você conseguiu o que queria”, pensei…”O que você quer mais?”.


Esse ano, há uns 6 meses, comecei aulas de ballet para adultos. Nunca havia feito, mas sempre achei muito bonito. Muitas vezes, me pego dançando sozinha em casa, com meus fones de ouvido e apenas curtindo aquele momento. Frequento as aulas de básico I (Eu nem chego a ser iniciante no ballet adulto. Ainda falta um ou dois anos para “iniciar”, mas em todas as aulas eu estou lá, de corpo e alma). Tive recentemente uma apresentação com as minhas colegas de classe, e no evento também aconteceram outras apresentações maiores, de toda a escola, em um teatro na Avenida Paulista. foi lindo. Ali, eu me senti em casa. Não registrei quase nada, apenas vivi.



Às vezes, o que nos falta é uma parte de nós mesmos(as) que deixamos passar. Às vezes, um sonho está nos chamando por meio de diversas situações mas, por falta de autoconhecimento, ignoramos o seu chamado.


A escritora e psicanalista Maria Rita Kehl, em seu livro O tempo e o cão (1) , cita alguns conceitos que diferenciam a vivência da experiência: vivência é aquilo que fazemos no cotidiano, até no automático e sem nem ao menos perceber. A experiência é aquele tipo de situação que sentimos vontade de contar, às vezes é até alguma situação meio “boba”, do próprio dia a dia, mas que tem um significado muito especial pra nós. A percepção disso nos ajuda a construir memórias. Também somos feitos de muitos tempos passados. A vivência eterna em um “presente” sem fim, o tal do “viver o momento”, e expor isso freneticamente, empobrece os nossos sentidos. Nos tempos atuais, não estamos dando tempo para a nossa mente elaborar experiências, estamos perdendo a capacidade de formar memória e, assim, de contar histórias, de passar adiante.

crônica sobre autoconhecimento

 

REFERÊNCIAS

(1) Maria Rita Kehl, O tempo e o cão: a atualidade das depressões, São Paulo: Boitempo, 2009.




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